Em meados de 1674,
Padre António Vieira respondeu à
seguinte dúvida:
O mundo é mais digno de lágrimas ou de risos?
E quem tinha mais razão, o filósofo Demócrito que
sempre ria ou o filósofo Heráclito que sempre chorava?
Coube-lhe a defesa do riso de Demócrito.
(Mestre de Epicuro)
Demócrito ria sempre: logo nunca ria. A consequência parece difícil e é evidente. O riso, nasce da novidade, surpresa e da admiração, e cessando a novidade ou a admiração, cessa também o riso; e como Demócrito se ria dos ordinários desconcertos do mundo, e o que é ordinário e se vê sempre não pode causar admiração nem novidade; segue-se que nunca ria, rindo sempre, pois não havia matéria que motivasse o riso.
(...) Há chorar com lágrimas, chorar
sem lágrimas e chorar com riso: chorar com lágrimas é sinal de dor moderada;
chorar sem lágrimas é sinal de maior dor; e chorar com riso é sinal de dor suma
e excessiva. A dor moderada solta as lágrimas, a grande as enxuga, as congela e
as seca. Dor que pode sair pelos olhos, não é grande dor; por isso não chorava
Demócrito; e como era pequena demonstração da sua dor não só chorar com lágrimas,
mas ainda sem elas, para declarar-se com o sinal maior, sempre se ria.(...)
Nada digo que seja contrário aos princípios da verdadeira Filosofia e da experiência. A mesma causa, quando é moderada e quando é excessiva, produz efeitos contrários: a luz moderada faz ver, a excessiva faz cegar; a dor, que não é excessiva, rompe em vozes, a excessiva emudece. Desta sorte a tristeza, se é moderada, faz chorar; se é excessiva, pode fazer rir; no seu contrário temos o exemplo: a alegria excessiva faz chorar e não só destila as lágrimas dos corações delicados e brandos, mas ainda dos fortes e duros.
O pranto dos olhos é mais fino, o da boca é mais mordaz, e este era o pranto de Demócrito. De sorte que na minha consideração, não só Heráclito, mas Demócrito chorava.
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